Como a experiência de sala de aula importa no engajamento de seus filhos?

por EQUIPE CLOE
Publicado em 13 de outubro de 2021.

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Imagine que é 2005, e está uma chuva torrencial na sua cidade. Você está sem o seu carro e precisa ir ao trabalho. Olha pela janela e dá aquele desânimo.  Será que eu vou conseguir achar um táxi? Você pega o guarda-chuvas e caminha em direção à avenida mais próxima. Ao chegar lá, não vê nenhum táxi disponível. Passados alguns minutos esperando com o braço esticado, anda mais duas quadras até o ponto e, ufa, encontra um táxi parado. Será que o motorista está disponível? Será que ele me levará? Quanto custará? Será que tem trocado ou vai me xingar porque só tenho notas grandes?

Acelere o filme até os dias de hoje. A chuva torrencial está caindo, você tem de ir ao trabalho e está sem seu carro. O que você faz? Vou adivinhar, sem muito medo de errar: de dentro da sua casa, você pega o seu smartphone, abre o aplicativo do Uber (99, Cabify ou outro similar) e chama uma carona. Ali, a máquina sabe onde você está e ela te pergunta seu destino final.

Também pergunta qual categoria de preço de carro você gostaria de usar, do mais caro à carona compartilhada, se gostaria de conversar, usar ar condicionado ou levar bagagem. Você vê quem será teu motorista, e se ele é bem avaliado. Se o aceitou, você paga adiantado, via cartão de crédito e, feito o pedido, é o motorista que vem até a sua casa, para que você não se molhe.  Você segue confortavelmente e, ao final, ainda dá uma nota de avaliação ao motorista. Alguma saudade do passado?

Existe uma diferença evidente entre essas duas experiências, proporcionada pela tecnologia: enquanto a primeira foi desenhada a partir da experiência do produtor do serviço (o motorista), a segunda partiu da experiência do usuário do serviço (o passageiro). Quem trabalha com produtos digitais sabe que existe uma função ocupada por especialistas nisso (UX, ou user experience), que se aplica ao design de produtos e serviços, a partir do entendimento de quem é o usuário, de suas preferências e restrições, e da observação no campo de como ele resolve suas necessidades associadas ao produto e serviço. Cabe ao prestador de serviço se adequar ao usuário, e não o contrário.

Essa metodologia de design é utilizada no desenvolvimento de todos os aplicativos que você usa, incluindo-se o Rappi, o Netflix, o Spotify e o WhatsApp.  E também pelos aplicativos que seus filhos passam uma boa parte do dia usando, tais como o Youtube (Kids), o TikTok, o Instagram e todos os outros de comunicação e jogos. Tudo o que eles acessam no mundo digital foi pensado a partir do engajamento deles.

Neste novo mundo em que o digital está incorporado ao físico, e em que, quando o WhatsApp falha o mundo inteiro entra em pânico, seus filhos estão acostumados a ter uma voz, a criar e se expressar por meio de vídeos no TikTok, em que interagem com centenas de milhões de outros jovens no mundo todo, e de ter feedbacks automáticos, os likes. Quando querem assistir um conteúdo de que gostem (Chiquititas, Grey’s Anatomy ou qualquer outra série), eles não têm de esperar o fim do jornal, como fazíamos no passado: eles entram no YouTube ou no Netflix e têm todos os filmes, séries e novelas à sua disposição, e fazem isso ao mesmo tempo em que estão jogando Roblox ou Minecraft, e conversando em vários grupos diferentes do WhatsApp. São multissensoriais, multiplataformas e muito ativos.

Pense agora na sala de aula a que eles vão diariamente, dentro da escola. Você acha que ela foi baseada no produtor (professor) ou nos usuários (alunos)? E quanto essa experiência está próxima daquela a que os alunos estão acostumados fora da sala de aula?

Em sua quase totalidade, salas de aula são ambientes pensados a partir da experiência do professor. Alunos ficam sentados enfileirados de uma forma que dificulta a interação com os demais, para se garantir o silêncio e a disciplina. Quando um aluno se comunica, não com outros milhões de jovens, mas para pedir uma caneta emprestada ao aluno ao seu lado, é reprimido (certa vez, fui levado à diretoria e suspenso, no antigo Ginásio, por comer uma maçã durante a aula). O professor fica no palco, intercalando falas longas e momentos em que fica de costas aos alunos, escrevendo o conteúdo na lousa. Os temas não são contextualizados, e os alunos não têm ideia de como aquilo se aplica em suas vidas, ou para que serve. Dispositivos digitais são proibidos. Os alunos ficam passivos: a única coisa que podem fazer é prestar atenção em silêncio, copiar o conteúdo e fazer exercícios. Isso dura 50 minutos, seis vezes em seguida, cinco dias por semana. É um massacre em série.

Qual a probabilidade de que seus filhos estejam (minimamente) engajados com essa experiência? A sala de aula foi desenhada para um outro jovem, num outro momento da história. Era um jovem que não fazia muitas atividades ao mesmo tempo, que não tinha tantos estímulos cognitivos, que não interagia com gente do mundo todo em seus jogos, e que não lia e se engajava com temas mundiais sobre ativismo sustentável (promovido por adolescentes como a Greta), inclusão e diversidade.

Essa questão é, provavelmente, um dos maiores desafios atuais da educação básica: existe uma probabilidade alta de, muito mais do que antes, os jovens odiarem a experiência de sala de aula e a escola, com exceção do recreio. E, com isso, não aprenderem. Se as escolas não perceberem que esse modelo ficou no passado, que precisam passar muito rapidamente do táxi ao Uber, para uma aula interativa em que os jovens sejam convidados a se comunicar, interagir e produzir soluções para problemas que tenham conexão com suas vidas, sofrerão crescentemente uma enorme pressão dos alunos e dos pais para mudar.

Isso não só porque essa geração de pais se importa mais com a opinião e bem-estar dos seus filhos do que as anteriores; mas porque há um substituto online, de graça, para essa aula meramente expositiva de conteúdo. E com um agravante: as aulas gratuitas online são mais curtas, gravadas muitas vezes em estúdio, contém músicas, imagens, desenhos animados e outros elementos gráficos, com boa qualidade sonora e visual, e os alunos podem assisti-las ou interrompê-las a qualquer tempo, como fazem com todos os seus outros aplicativos.

Não acredita? Faça como seus filhos: entre no Youtube, digite, por exemplo, “aula sobre descobrimento do Brasil” e depois me diga o resultado. E, se preferir, faça isso enquanto estiver dentro de um Uber, se protegendo confortavelmente da chuva, a caminho do trabalho.

*Fernando Shayer é cofundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa

*Esse texto foi originalmente publicado na Bússola da Exame

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